Já aconteceu com você? Ficar pensando sobre o seu relacionamento e se ele realmente vale a pena, se essa é a pessoa para você, como seria se vocês terminassem, como seria se você estivesse sozinho ou com outra pessoa? Tenho atendido muitas pessoas com essas dúvidas sobre seus relacionamentos amorosos. Pessoas que estão sofrendo, sendo corroídas por perguntas que não querem calar: “será que esse relacionamento é pra mim?”, “será que essa é a pessoa pra mim?”, “será que devo continuar ou seria melhor terminar?”. Essas perguntas também te atormentam?
Esse texto é para quem está num relacionamento. Quero te ajudar a pensar sobre a relação que você tem e sobre seu papel nessa relação. Quero te ajudar a responder as perguntas que não calam. Mas para isso, vou te fazer outras perguntas primeiro:
· Você experimenta sentimentos bons nessa relação? Se sente feliz, valorizado, apreciado, reconhecido, amparado, apoiado?
· Você experimenta sentimentos ruins nessa relação? Se sente infeliz, desvalorizado, humilhado, solitário, carente, não compreendido?
· Quais sentimentos prevalecem na maior parte do tempo?
· Os valores morais de vocês são parecidos? Lá no fundo, vocês prezam pelos mesmos princípios?
· Você consegue reconhecer as qualidades do seu parceiro? Que peso os defeitos do seu parceiro têm diante das qualidades?
· Seu parceiro é a mesma pessoa pela qual você se apaixonou? Você é a mesma pessoa que era quando se conheceram? Algo mudou? O quê?
· Vocês estão numa relação igualitária, em que cada um faz 50% de esforço para que o relacionamento funcione?
· Você sente que está na mesma página que o seu parceiro? Vocês querem as mesmas coisas para o futuro? Vocês fazem planos de vida similares? Vocês planejam juntos o futuro? Os planos de um incluem o outro?
· Quando estão longe, o que você sente ou pensa quando se lembra do seu parceiro?
· O que mantém vocês juntos?
Fiz essas perguntas com o intuito de te fazer refletir sobre como sua relação está nesse momento e para te fazer pensar sobre o que te mantém nela. Para saber se esse relacionamento é para você, você precisa entender como sente nessa relação e o que sente pela outra pessoa. Se não, você corre o risco de estar num relacionamento motivado apenas pelo medo de ficar sozinho, pelo transtorno financeiro que seria se separar, para não ter que passar pelo trabalho de conhecer alguém novo, para não ter que experimentar o medo da rejeição ou de ter seu coração partido, ou porque já investiu tantos anos nessa relação que pareceria um desperdício terminar agora. Esses são os motivos que escuto dos meus pacientes para permanecerem em relações infelizes. Identificou-se com algum?
O psicólogo Robert Leahy (2015) pega emprestado da área da Economia um conceito chamado de “custo irrecuperável”. Ele dá o seguinte exemplo:
"Você comprou um casaco, pagou um bom dinheiro por ele e depois o trouxe para casa, experimentou, achou que não estava adequado para aquele dia, o guardou no armário, tirou de lá várias vezes e tornou a guardá-lo. Você o vestiu uma ou duas vezes e só. As pessoas te dizem: ‘Por que você não dá esse casaco para alguém? Você nunca o usa’. Mas você diz: ‘Não posso. Eu paguei caro por ele’. Na verdade, se não tivesse comprado o casaco, você não sairia hoje e o compraria, porque sabe que não é adequado para você. Mas como você já o tem, não consegue se livrar dele. Você investiu tempo, dinheiro, energia e reputação em algo e acha que não pode voltar atrás. Não pode jogar fora, deixar para trás ou dar para outra pessoa".
Leahy também pergunta: “Você se sente empacado em um relacionamento que sabe que é autodestrutivo, mas não consegue rompê-lo porque investiu muito de si?”. Ele comenta: “a ironia de um custo irrecuperável é que, quanto mais investimos nele – quanto mais ele nos custa – mais difícil é abandoná-lo [...] Quando dizemos ‘Não consigo jogar fora porque paguei um bom dinheiro por isso’, estamos reverenciando um custo irrecuperável e tomando uma decisão olhando para trás, com base no que pagamos por aquilo, em vez de olhar para frente e ver o quanto aquilo nos será útil”.
Leahy acrescenta (2015):
"Boas decisões têm a ver com olhar para frente, não para trás. As boas decisões estão baseadas na utilidade futura – o que você vai obter com elas no longo prazo. Custos irrecuperáveis quase sempre têm a ver com resgatar erros passados e tentar fazê-los dar certo. Por que temos que reverenciar custos irrecuperáveis? Primeiro, porque não queremos admitir que cometemos um erro. Em segundo lugar, achamos que desistir de um custo irrecuperável significa admitir que todo o tempo e esforço foram desperdiçados. E, em terceiro lugar, encaramos abandonar um custo irrecuperável como uma admissão de fracasso".
Em termos de romper um relacionamento que não vai bem, o custo irrecuperável envolve não querermos abrir mão de algo que já investimos tanto de nosso capital emocional, tanto tempo e esforço. Não queremos abrir mão de alguém que já apresentamos para a família, com quem temos bens em comum, com quem já dividimos anos de nossa vida. Porém, será que permanecer em uma relação em que você não se sente feliz, em que não vê perspectiva de que as coisas melhorem, com alguém com quem você não se identifica mais ou sente amor vale a pena? Se o investimento fosse financeiro, você continuaria a aplicar seu dinheiro nesse lugar?
Já acompanhei pacientes fazendo malabarismos emocionais para tentar “salvar” um relacionamento: anular-se em prol de agradar o outro, propor um casamento aberto, fingir não saber de um ato de infidelidade. Todas essas são manobras que podem prolongar a relação, mas a que preço? Conseguir se libertar de um relacionamento que deixou de ser saudável é uma decisão difícil, mas te liberta de continuar arcando com um custo emocional tão grande. O custo se chama irrecuperável porque não podemos voltar atrás e recuperar o tempo perdido, mas podemos mudar o tempo que está por vir. Continuar em uma relação infeliz não custa só o seu tempo, custa sua autoestima e o seu senso de merecimento de algo melhor.
Se você não está em um relacionamento infeliz, mas está tendo dúvidas sobre estar ou não feliz em sua relação, retomar as perguntas anteriores pode te ajudar a refletir sobre como vão as coisas entre vocês. Acredito que existam, no mínimo, três fatores que podem suscitar as dúvidas sobre esse relacionamento ser para você: o primeiro se refere a pensamentos que podem invadir sua mente e alimentarem sensações incômodas; o segundo envolve dúvidas sobre você e seu parceiro ou parceira serem compatíveis; e, por fim, seu senso de merecimento pode estar bagunçando as coisas em sua cabeça. Mas vamos por partes...
Vários pacientes meus aparecem para as sessões questionando se devem ou não permanecer em seus relacionamentos, pois são tomados por pensamentos que invadem sua mente com frequência e os deixam confusos sobre o que sentem e o que querem. Esses pensamentos envolvem lembranças sobre como era a vida de solteiro e o que havia de bom nessa época; comparações com outras relações que já tiveram ou com pessoas com quem se envolveram; e, ainda, divagações disparadas quando se deparam com uma pessoa que consideram atraente. Na terapia cognitiva, chamamos esses pensamentos que aparecem em nossa mente de forma espontânea de pensamentos automáticos. Todos nós temos milhares desses pensamentos por dia. Esses pensamentos vêm acompanhados de sentimentos e influenciam também nosso comportamento.
Um pensamento automático não é uma ameaça, é um fenômeno mental natural. O que faz a diferença é a maneira como reagimos a esses pensamentos, o comportamento que escolhemos adotar. Quando conseguimos reconhecer um pensamento como o que é – um simples evento mental normal – a ameaça se desfaz imediatamente. Porém, se encararmos pensamentos como “Na minha relação anterior isso não acontecia” ou “Essa pessoa é interessante, como seria ter algo com ela?” como um sinal de que as coisas não vão bem, aí precisamos analisar racionalmente, de forma deliberada e não automática, se isso faz mesmo sentido ou se esse é apenas mais um alarme falso de nossa mente. Outras maneiras menos saudáveis de lidar com os pensamentos ocorrem quando nos rendemos a eles, terminando a relação e voltando para a vida de solteiro, contatando uma ex ou abordando a pessoa interessante. Ou ainda agindo de maneira infiel com a justificativa de “testar” se era isso mesmo e se as dúvidas vão embora.
Além dos pensamentos automáticos que, se não reconhecidos como tal, podem trazer dúvidas sobre o relacionamento, outro fenômeno gerador de insegurança sobre ficar ou romper a relação são as dúvidas sobre compatibilidade. Sabe aquelas constatações sobre o que vocês têm de diferente? Ela é muito agitada, eu sou mais calmo. Ele é muito caseiro, eu sou mais de sair. Ela é muito falante, eu sou mais quieto. Ele é muito extrovertido, eu sou mais tímida. Contrastes como esses podem te deixar em dúvida sobre o futuro da relação. Contudo, o que percebo é que essas pequenas diferenças de atitude não fazem mal para o relacionamento, pelo contrário, elas podem promover o equilíbrio entre o casal: uma pessoa mais calma pode apaziguar uma mais ansiosa; um poupador pode moderar um esbanjador; uma pessoa mais ativa pode tirar um sedentário do sofá...
O que realmente importa em termos de compatibilidade são os nossos valores morais e pessoais mais profundos, aquilo que faz parte da essência de quem somos e no que acreditamos. Nossos valores pessoais envolvem o quanto priorizamos e nos dedicamos à nossa família, às amizades, ao trabalho, à nossa vida acadêmica, ao lazer, aos esportes, à espiritualidade, à vida em comunidade, à saúde, etc. Diferenças drásticas nesses valores podem representar problemas no relacionamento e, portanto, precisam ser reconhecidas e abordadas pelo casal. Já as diferenças menores no jeito de ser, abordadas anteriormente, podem até tornar as coisas mais interessantes...
O terceiro fator que pode te deixar em dúvida sobre essa relação ser para você ou não é o seu senso de merecimento e isso pode se manifestar de maneiras diferentes. Se você sente que não está sendo bem tratado nessa relação e que merece algo melhor, escute a si mesmo e veja se é possível obter o tratamento que deseja com a pessoa com quem está envolvido ou se essa pessoa não é capaz de suprir o que você precisa. Por outro lado, se a sua autoestima não estiver boa, pode estar em uma relação infeliz e acreditar que é isso mesmo que você merece, que não será capaz de conseguir algo ou alguém melhor e que, por isso, é melhor deixar as coisas como estão. Cuidado! Se esse for seu caso, procure ajuda. É possível se sentir melhor consigo mesmo e, então, vislumbrar que você também merece estar em uma relação saudável.
Se você não está em um relacionamento tóxico, se você não tem dúvidas sobre sua felicidade conjugal, se você está numa relação que te faz se sentir bem, em que você se sente ouvido, respeitado, compreendido e apoiado, em que os valores se assemelham e a visão de futuro aponta para uma direção parecida, aposte nesse relacionamento. Entregue-se. Diga o primeiro eu te amo ou continue expressando esse sentimento sempre que sentir vontade. Para um relacionamento afetivo ser feliz e duradouro é preciso investir nele.
Um relacionamento é um bem precioso e nossos bens preciosos precisam ser cuidados. Se quisermos que nosso carro dure, precisamos levá-lo na revisão. Para termos uma casa onde sentimos prazer em morar, precisamos fazer uma faxina. Se quisermos uma planta saudável, precisamos regá-la, garantir que tenha iluminação suficiente, adubar a terra... Da mesma forma nosso relacionamento também precisa de cuidados.
Existem várias maneiras de cuidarmos de nossa relação: demonstrar interesse pelos interesses do nosso parceiro; usar um tom de voz adequado mesmo na hora da raiva; expressar carinho com gestos simples e através de palavras; fazer concessões; pedir desculpas; agradecer; elogiar; valorizar a importância que o outro tem em nossa vida; encorajar os projetos pessoais; acolher quando o outro está com medo; dentre tantas outras ações possíveis para demonstrar nosso apreço e o quanto estamos felizes por termos encontrado alguém para dividir a vida.
PS:
Enquanto escrevia essa crônica, numa brechinha entre um atendimento e outro, recebi uma ligação do meu marido “se convidando” para um café no meu consultório. Cuidar da relação é dar uma pausa na crônica (no trabalho/no estudo) para tomar um café com o seu amor. É mandar uma mensagem afetuosa no meio de um dia corrido. É convidar para assistir um filme e sugerir que o outro escolha o que irão ver. É dar um abraço apertado quando se encontram. É procurar palavras que traduzam o que acontece na cabeça e no coração e conseguir dizê-las em voz alta, sem medo de se sentir vulnerável. Se relacionar é estar vulnerável e cuidar desse sentimento, dessa pessoa, desse bem comum.
Autora: Carolina Aita Flores, psicóloga do CTC
Referências:
LEAHY, R. L. Vença a depressão antes que ela vença você. Porto Alegre: Artmed, 2015.